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Relatos biomédicos

29-01-21 | Destaque, Notícias

 

26 de fevereiro de 2020. Esta foi a data em que o primeiro caso de Covid-19 foi registrado no Brasil. Há quase um ano, os profissionais de saúde do país têm vivido uma rotina intensa de trabalho e de muitas privações.

Como uma forma de reconhecimento à dedicação destes profissionais, o CRBM-5 convidou alguns biomédicos que estão no front de batalha da pandemia a relatarem, em primeira pessoa, como têm encarado estes últimos meses de desafios, preocupações, vitórias e decepções.

 

TATIANE JACOBSEN
Biomédica do Laboratório de Biologia Molecular da Santa Casa de Porto Alegre

Há momentos que são transformadores e estar na linha de frente laboratorial, realizando o diagnóstico molecular do Sars-CoV2, é um desses. É o maior desafio dos meus 11 anos como Biomédica.

Uma das grandes estratégias para o enfrentamento da pandemia pelo novo coronavirus  passa, incontestavelmente, pela sua confirmação laboratorial e, até o momento, a equipe de biomédicos do laboratório de Biologia Molecular da Santa Casa realizou mais de 55 mil testes do tipo RT-PCR. Durante o avançar da pandemia, muitas foram as jornadas de trabalho nas quais fiquei preocupada com a escalada dos resultados positivos, indignada com a falta de acesso da população mais carente ao teste de RT-PCR, revoltada com as minimizações acerca da gravidade da doença e frustrada por não estar acompanhando, no ritmo em que eu gostaria, as publicações científicas sobre o diagnóstico laboratorial.

Paralelamente, ministrei ao longo deste período, diversas aulas sobre o diagnóstico molecular. Mesmo sob forte esgotamento físico e mental, encontrei motivação em fazê-las, porque acredito que a colaboração, empatia e mensagens claras à população, baseadas em conhecimento científico, tendem a produzir bons resultados. Noto que vivemos um grande desafio, para o qual ainda não temos todas as respostas e, como biomédicos temos o papel fundamental de auxiliar na construção de uma sociedade que refute o obscurantismo e que enfrente melhor situações críticas como uma pandemia.

 

ALANA WITT HANSEN
Responsável Técnica pelo Laboratório de Microbiologia Molecular da Universidade Feevale

O laboratório em que trabalho é voltado principalmente para a pesquisa, porém, com a demanda de diagnóstico originada pela pandemia, tivemos que adaptar nossa rotina, além de aumentar a equipe e adquirir equipamentos para que pudéssemos prestar rapidamente este serviço à comunidade. Do final de março até dezembro foram analisadas cerca de 36 mil amostras.

No início da pandemia eu tinha muito medo de me contaminar no trabalho e acabar contaminando outras pessoas, por isso até me isolei dos familiares. Depois de todos esses meses trabalhando, sem nenhum incidente, sei que as medidas de segurança que tomamos são eficazes, o que me devolveu uma rotina em casa e aliviou o estresse. Porém, a carga e a responsabilidade do trabalho são pesadas. Acabo fazendo muitas horas extras porque sei que os pacientes e médicos precisam deste retorno.

Vejo que tem bastante gente que entende a gravidade da situação, se cuida e cuida do próximo. Outros não levam tão a sério, confiam que não estão no grupo de risco e acabam tendo atitudes imprudentes. Todos estão cansados da pandemia, do distanciamento, é difícil para todo mundo. Mas precisamos continuar com os cuidados até que tenhamos a população imunizada pela vacina.

 

RAQUEL KRÜGER MIRANDA
Perfusionista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre

Atuo diretamente com a Circulação Extracorpórea (CEC) nas cirurgias cardíacas e com Dispositivos de Assistência Cardiorrespiratória, como a Oxigenação por Membrana Extracorpórea (ECMO). A pandemia reduziu especialmente o volume de cirurgias, porém, em se tratando da cardíaca, elas nunca param. Por outro lado, a demanda pelo ECMO aumentou muito. O primeiro paciente com COVID-19 que utilizou desta tecnologia para suporte respiratório no local em que trabalho foi em maio de 2020; desde então, aproximadamente 14 pacientes estiveram em ECMO, provenientes de todo estado do RS. Pode parecer um número pequeno, mas não é. Os pacientes ficam muito tempo com o suporte do equipamento até sua recuperação, variando entre 15 dias até três meses. Além disso, demandam muita dedicação de toda equipe assistencial. A característica principal destes pacientes é que eram jovens, em sua maioria com poucas, ou até nenhuma comorbidade.

A ECMO dá a assistência ventilatória que o corpo necessita, permitindo que o pulmão do paciente descanse e o corpo combata a infecção causada pelo coronavírus, e suas complicações. Como já era esperado, nem todos venceram esta batalha. Aqueles que chegaram ao ponto de necessitar da ECMO foram os que apresentaram a forma mais grave da doença, em que nem todas as medidas convencionais de tratamento estavam auxiliando na recuperação. Sendo assim, cada recuperação foi extensamente comemorada. É difícil escolher entre eles qual paciente mais me impactou. O envolvimento com cada paciente é grande, e com certeza cada um tinha a sua história e a sua família esperando em casa.

Assim, assistir o modo como a sociedade está encarando a pandemia é desanimador. Lidamos constantemente com a possibilidade de contaminação pelo vírus, contudo isso não é o pior. Incertezas, sobrecarga, vulnerabilidade, sensação de impotência e exaustão marcaram os últimos meses, sem ainda previsão de passar. Nesse momento, a família, as redes de afeto, o apoio e a solidariedade nos dão forças a seguir em frente. Entretanto, sinto muito orgulho de trabalhar em um local que possibilita ofertar esta tecnologia no tratamento dos pacientes, e por fazer parte da recuperação de muitos deles.

 

LISIANE ROCHA
Supervisora técnica no Grupo Exame Laboratórios

Sou responsável pelos setores de biologia molecular, microbiologia e urinálise. Assumi este novo desafio em julho, após 13 anos no Laboratório Weinmann. Em tempos difíceis e de necessidade de rápido diagnóstico laboratorial, precisei exercitar todas as habilidades da nossa profissão. Trabalhamos de segunda a segunda com uma carga horária extensiva para atendermos a demanda. Realizamos mais de 150 mil testes de RT-PCR para Covid nestes últimos meses.

Atualmente, estamos vivendo o pior momento da pandemia, em uma crescente de casos positivos. Liderar uma equipe de diagnóstico da Covid tem me exigido muita determinação e empatia. Vivenciamos histórias tristes. Somos responsáveis por entregar um resultado que pode salvar uma vida e direcionar aos cuidados médicos necessários. Entendemos a importância do nosso papel na pandemia. Olhamos para cada amostra com prioridade e unimos forças para manter a equipe focada na entrega dos resultados.

Neste momento é de extrema importância mantermos os cuidados de distanciamento social, uso de máscara, higienização das mãos e/ou uso de álcool gel. A pandemia não acabou: falta de cuidado e aglomerações só irá prolongar a necessidade de distanciamento social e a perda de amigos e familiares queridos. Seguiremos fazendo o nosso papel no diagnostico laboratorial, esperando dias melhores.

 

HUANDER FELIPE ANDREOLLA 
Coordenador do Laboratório de Diagnóstico Molecular na Universidade Franciscana (UFN) e docente de Biomedicina na UFN

Trabalho há mais de uma década na área da Biologia Molecular, grande parte desse tempo na supervisão e formação de novos profissionais biomédicos. Não deixei, em nenhum momento, de ser biomédico para ser professor e vice-versa. O laboratório da UFN, que era de ensino, passou por um forte movimento de profissionalização. A rotina tem exigido além do turno de trabalho usual. Trabalhamos arduamente na padronização das técnicas, na elaboração de fluxos de trabalho e seus documentos e na capacitação de pessoas para darmos uma resposta rápida em relação ao diagnóstico molecular do novo coronavírus.

Desde maio, quando iniciamos efetivamente, já realizamos cerca de 12 mil exames do tipo RT-qPCR para SARS-CoV-2. Através da pandemia foi possível ver a cooperação de entidades públicas e privadas e o trabalho conjunto com a equipe da Universidade Federal de Santa Maria/HUSM. Muito do que fizemos teve o suporte do Ministério Público do Trabalho e o apoio do LACEN/RS, além do trabalho de diferentes atores para que pudéssemos integrar essa rede de cooperação. O fruto disso são os nossos resultados em tempo relativamente baixo (entre 24 e 48h), extremamente estratégico para que se possa interromper o ciclo da infecção e tomar as medidas mais acertadas no âmbito da gestão pública.

Eu acredito que a sociedade, principalmente através de alguns de seus representantes, tem tratado a vida e a situação pandêmica com muita irresponsabilidade. O resultado é o que  temos visto diariamente nos veículos de comunicação. Associado a esse (mau) comportamento, temos uma má gestão e falta de logística com insumos. É preocupante o negacionismo vigente, a falta de respeito com a ciência, além, obviamente, da turma das “fake-news”. Como profissionais da saúde temos o dever de fazer prevalecer a informação científica e de qualidade. Acho que o exemplo de colegas em relação a isso, aliado à dedicação dos meus alunos, vêm sendo um alento nesses tempos complexos que atravessamos.

 

MARIANA PAGANO
Responsável pelos setores Pré-analítico e de Microbiologia e Biologia Molecular do Laboratório Clínico do Hospital São Lucas da PUCRS

Antes da pandemia, eu atuava na área gerencial e pré-analítica do Laboratório, e não fazia mais parte da rotina de bancada. Porém, com o aumento significativo da demanda de testes de RT-PCR, percebi a necessidade de me reinventar. Desta forma, me inseri na equipe para colaborar na rotina do setor e garantir a entrega de resultados no menor prazo possível.

O Laboratório Clínico do HSL não dispunha de um setor de biologia molecular, e os testes de RT-PCR para SARS-CoV-2 eram encaminhados para Laboratório de Apoio localizado fora do estado do Rio Grande do Sul e também para o LACEN. Diante deste cenário, foi criada uma força-tarefa, junto a professores e pesquisadores da Universidade, para estruturarmos um setor de diagnóstico molecular de SARS-CoV-2. Por eu ter realizado mestrado e doutorado na área de Biologia Molecular, me envolvi diretamente na escolha do protocolo, na validação do teste assim como na compra de equipamentos e insumos. Como responsável pelo setor pré-analítico, atuei diretamente no treinamento das equipes para a correta coleta das amostras, além de orientar quanto ao momento ideal da coleta de cada um dos diferentes testes diagnósticos. Desde março, o Laboratório Clínico do HSL já realizou mais de 21 mil testes RT-PCR e 2100 testes sorológicos.

Durante o ano de 2020 vivemos períodos bastante conturbados e desafiadores. Estávamos diante de um cenário totalmente atípico, na qual havia muitas perguntas e poucas respostas.  Apesar da exaustão diária, acredito que estes meses trouxeram muitas oportunidades de nos reinventarmos e mostrarmos para a sociedade a importância de nosso trabalho. Certamente, todo o aprendizado e as experiências vivenciadas compensaram o cansaço e as incertezas diárias ao longo deste ano. Vejo que a pandemia lançou luz sobre os bastidores do diagnóstico laboratorial, assim como demonstrou o importante papel dos biomédicos no enfrentamento desta doença.

 

ADIAJNYE LESLYE
Proprietária do Laboratório Proll Vida, em Campo Alegre (SC) e Rio Negrinho (SC)

Abri o laboratório em 2019 e o primeiro ano foi tranquilo, pois estamos numa cidade pequena (cerca de 13 mil habitantes). Quando entramos na pandemia, nós tivemos que nos reinventar e ajustar muitas coisas. A princípio trabalhávamos com 10 pacientes por dia, encaminhados pelo SUS, e prestávamos suporte para o hospital, sob o regime de sobreaviso. Observamos que a cidade vizinha tinha dificuldade para realizar os exames do hospital e conseguimos abrir nossa segunda unidade lá, o que foi surpreendente. Afinal, enquanto muitas empresas estavam parando ou mesmo fechando, nós estávamos crescendo.

Uma de nossas unidades está numa cidade onde existem muitos idosos e um índice de obesidade acentuado. Portanto, observamos um crescimento bastante significativo nos casos de Covid-19. O que mais me surpreende é que as pessoas têm bastante informação e moram distantes uma das outras. Ou seja, teriam como se isolar e se cuidar mais. Porém, demorou muito para isso acontecer.

Como empresa, fizemos um trabalho de conscientização, mobilizamos alguns moradores e empresários na confecção de 3 mil máscaras e na doação das mesmas. Ainda assim, observamos uma resistência por parte da população. A doença foi levada a sério somente quando causou a primeira morte. Então, finalmente, partiu-se da reflexão para o uso da máscara e os cuidados mais dedicados.

Percebemos um aumento de pessoas preocupadas com sua saúde. Com a avalanche de informações sobre a doença, as pessoas sentem a necessidade de respostas. Conseguir responder todas as dúvidas tem sido bastante desafiador. É um momento em que temos nos manter ainda mais atualizados sobre imunologia, a doença e as novas técnicas de exames que estão surgindo.

Nestes últimos três meses, após o término da minha sociedade, ficaram sob minha responsabilidade as duas unidades do laboratório e dois hospitais. Enfrentei um período de trabalho intenso, cujas noites tinham horas contadas de sono: quatro horas. Mas as energias aqui estão sendo focadas na ajuda, em trazer informações, testes e metodologias novas com valores acessíveis para poder ajudar a população, pois sabemos que muitos precisam de informação e resultados de qualidade.

Imprensa CRBM-5

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