Formas de contágio, possíveis tratamentos, vacinas. Tudo relacionado ao novo coronavirus tomou conta das conversas da população brasileira. E subsídio para elas é o que não falta: há uma quantidade enorme de dados e estudos sendo produzidos e divulgados numa frequência quase que diária.
Porém, no início da pandemia no Brasil, o país carecia de maiores informações para iniciar o seu enfrentamento ao SARS-CoV-2. Este cenário foi o que motivou a biomédica Mellanie Fontes-Dutra a criar a Rede Análise Covid-19, um espaço de discussão e de informação que reúne pesquisadores de diversas formações de todo o Brasil.
Aos poucos, o projeto foi ganhando corpo e organizando-se em quatro frentes de ação: coleta de dados, análise e modelagem epidemiológica, análise de populações vulneráveis e divulgação e popularização científica. Assim, a Rede transformou-se não só em um ponto de informação para pesquisadores e profissionais da saúde como também uma produtora de conteúdo que esclarece os principais assuntos da pandemia de forma acessível ao público em geral. “Esse é o desafio da divulgação científica: tornar a ciência como parte da rotina das pessoas. Então, desde o início, as pessoas eram o nosso maior objetivo e investimos pesado nessa divulgação nas redes sociais também”, conta Mellanie, pós-doutoranda de Bioquímica da UFRGS.
Atualmente, a Rede conta com 76 membros voluntários que se dividem nas quatro frentes de ação, o que garante maior dinamismo e agilidade na abordagem dos assuntos. Cada grupo possui uma coordenadoria e decide a forma como será apresentado o conteúdo que, antes de ser publicado, passa pela revisão de pelo menos outras duas pessoas do projeto. Os temas a serem trabalhados podem vir de sugestões dos próprios pesquisadores ou mesmo dos seguidores das redes sociais.
A ciência no combate à desinformação
Um dos objetivos da Rede Análise Covid-19 é o combate à desinformação e à propagação de informações falsas. E as redes sociais, com um poder de alcance ilimitado, neste caso, exercem o papel de aliadas. “Threads”, vídeos, diagramas são alguns dos recursos utilizados pela Rede para dar uma roupagem mais leve e atrativa a assuntos normalmente técnicos. No entanto, Mellanie entende que tornar acessíveis os conteúdos científicos é ainda um desafio para os pesquisadores.
– Com a pandemia, temas da saúde e da ciência tornaram-se corriqueiro nas conversas das pessoas, independentemente do nível de conhecimento delas. Como você avalia esta situação? Quais são os benefícios e perigos de temas como estes estarem na “boca do povo”?
Mellanie – Sempre foi nosso objetivo tornar a ciência parte da rotina das pessoas, acredito que é o grande objetivo de redes e de divulgadores científicos. No entanto, a divulgação da informação muitas vezes não é suficiente. Para o enfrentamento da desinformação, é necessária a divulgação do método científico, da forma de fazer ciência, para que as pessoas entendam que curas milagrosas, soluções simples e sem respaldo não fazem parte desse método e, por isso, não tem respaldo científico algum. É necessária fazer essa instrução, para que as pessoas construam seu próprio senso crítico e se aliem aos pesquisadores e divulgadores no combate à desinformação.
– É um desafio ainda para a comunidade científica tornar assuntos técnicos mais didáticos e compreensíveis para a população em geral?
Mellanie – Com toda a certeza. Nós enfrentamos isso todos os dias. Às vezes, pagamos o preço de textos mais longos, que não são atrativos para alguém ler do início ao fim. Às vezes, resumimos demais uma informação, deixando termos técnicos para trás sem um esclarecimento mais aprofundado. É o desafio. O pesquisador não nasce divulgador, ele se torna divulgador. É um processo de aprendizado que, na minha opinião, deveria ser melhor celebrado com cursos de extensão ou até mesmo em disciplinas nas graduações e programas de pós-graduação. Muitos de nós, assim como eu, ingressam nesse desafio sem experiência, e vamos construindo ela com o percurso.
Acredito que antes desse desafio, temos o desafio da conscientização, por parte da comunidade científica, que precisamos nos responsabilizar por essa ferramenta, a divulgação científica. Ficamos calados por muito tempo frente às “pequenas” pseudociências, achando que elas não fariam mal, e hoje elas circulam numa velocidade 70% maior que a informação respaldada, infelizmente [1]. Não podemos permitir que a Síndrome de Cassandra (baseada na mitologia grega, refere-se ao descrédito que pessoas sofrem apesar de dizerem a verdade) se instaure na ciência. Mais do que nunca, precisamos da população aliada à ciência para o combate à desinformação. E precisamos de cientistas engajados em conversar com a mídia, com a população, fazendo a ponte entre o conhecimento e o nosso progresso.
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