Uma das consequências mais graves causadas pelo novo coronavirus é a síndrome respiratória aguda, que causa insuficiência respiratória. O tratamento recomendado para esta condição tem sido a ventilação mecânica. No entanto, nem todos os pacientes respondem bem ao tratamento. Por isso, a Oxigenação por Membrana Extracorpórea (ECMO) tem sido uma opção para os casos extremamente graves de Covid-19 em alguns centros especializados pelo mundo.
A ECMO é uma técnica de circulação extracorpórea que pode ser realizada por biomédicos habilitados em perfusão e circulação extracorpórea, como é o caso de Raquel Krüger Miranda, perfusionista no Hospital de Clínicas de Porto Alegre e membro da Sociedade Brasileira de Circulação Extracorpórea (SBCEC). Nesta entrevista, Raquel nos explica com detalhes como funciona a técnica, sua utilidade e por que tem sido um recurso ao tratamento de pacientes da Covid-19.
O que é a ECMO?
Raquel Miranda – ECMO significa Extracorporeal Membrane Oxygenation, ou Oxigenação por Membrana Extracorpórea. A sigla ECLS, Extracorporeal Life Support ou Suporte de Vida Extracorpóreo, também é utilizada. A ECMO é uma técnica que utiliza dispositivos mecânicos para fornecer suporte respiratório e/ou cardíaco ao paciente. Através de um cateter chamado cânula, o sangue é drenado para o sistema, onde é impulsionado por meio de uma bomba para uma membrana, local em que acontecem as trocas gasosas e onde o sangue é aquecido, retornando ao paciente. Geralmente, este suporte se inicia de forma total e, progressivamente, se reduz a uma forma parcial, enquanto o órgão afetado recupera a sua função por meio do tratamento adequado que é administrado concomitantemente.
A ECMO não trata a condição que causou a insuficiência cardíaca e/ou pulmonar da pessoa, ela somente é um meio de suporte que permite um fluxo sanguíneo e as trocas gasosas adequadas por um determinado período, até que o tratamento seja estabelecido ou até que o órgão para o transplante esteja disponível. A ECMO possibilita o tempo para tomada de decisão e ação, o que, na maioria das vezes, é o ponto principal. Pode-se fazer uma analogia da ECMO com uma ponte que conduz o paciente até que a equipe tome uma decisão pela melhor conduta clínica, até que haja a cura da patologia de base ou mesmo até que uma cirurgia aconteça ou que um órgão para o transplante esteja disponível. Uma pessoa pode ficar em ECMO por apenas algumas horas, usualmente por alguns dias, porém, em alguns casos, podem ser necessários semanas ou meses até que o paciente esteja apto ao desmame do suporte. A ECMO é uma tecnologia que exige um time multiprofissional na sua condução, e o perfusionista tem um papel de extrema importância neste cenário.
Existe uma organização internacional multidisciplinar sem fins lucrativos chamada ELSO (Extracorporeal Life Support Organization) que reúne instituições de saúde de todo mundo com o objetivo de manter um registro do uso da ECMO nos centros que são cadastrados e também de apoiar a pesquisa clínica, estabelecer protocolos e promover treinamentos.
Em quais situações é indicada a sua utilização?
A ECMO geralmente não é a primeira opção de escolha para o paciente. Primeiramente, a equipe assistente opta por tratamentos mais convencionais, sejam eles por meio de medicamentos, sessões de fisioterapia, posicionamento do paciente ou a utilização da ventilação mecânica. Quando o paciente não responde ao tratamento convencional, chegando num status de gravidade por um determinado tempo, a ECMO é cogitada.
Ela pode ser utilizada por pacientes que apresentam problemas nos pulmões, que não fornecem oxigênio suficiente para o corpo (hipóxia) ou que não conseguem retirar o excesso de dióxido de carbono (hipercapnia). Pacientes com problemas cardíacos também podem se beneficiar desta tecnologia quando o coração não bombear sangue suficiente para o corpo por uma descompensação de uma doença cardíaca prévia, uma infecção ou um infarto de grandes proporções que compromete a função do músculo cardíaco. A ECMO também pode ser utilizada por pacientes que aguardam um transplante de órgão, como coração e/ou pulmões, e que não teriam condições clínicas para esta espera até que o órgão estivesse disponível.
Por que a ECMO está sendo utilizada em pacientes com COVID-19?
Ainda são necessárias muitas informações sobre a infecção pelo COVID-19 para se determinar as medidas de efetividade no manejo clínico dos pacientes. Apesar disso, a National Institutes of Health (NIH) – a mais importante agência de pesquisas médicas do Departamento de Saúde dos Estados Unidos da América – e a Food and Drug Administration (FDA) reconheceram nas suas diretrizes de tratamento a pacientes com COVID-19 a utilização da ECMO como uma opção de dispositivo nos cuidados intensivos.
Sabe-se que o COVID-19 provoca uma síndrome respiratória aguda que, em alguns casos, apresenta uma forma grave com insuficiência respiratória, podendo ser necessário tratamento especializado em unidades de terapia intensiva (UTIs). Alguns desses pacientes não respondem ao tratamento convencional, apesar da otimização da ventilação e do uso de terapias de resgate e pronação, e poderiam se beneficiar da ECMO. Mas nem por isso ela é indicada a todos esses casos. A ECMO deve ser considerada apenas em pacientes cuidadosamente selecionados com COVID-19 e insuficiência respiratória grave, após a avaliação de uma série de fatores clínicos do paciente. Ademais, a ECMO consome muitos recursos físicos e financeiros e requer profissionais de saúde qualificados, limitando sua utilização a centros especializados.
A ELSO disponibiliza em seu site um documento detalhado com diretrizes para o uso da ECMO em pacientes com COVID-19 e mantém o registro dos casos, tanto os já finalizados quanto os ainda em andamento. A ELSO também descreve algumas contraindicações ao uso de ECMO, como doença terminal, danos graves no sistema nervoso central, recursos limitados, pacientes com comorbidades significativas, idade avançada e um tempo extenso em ventilação mecânica invasiva.
Como tem sido o resultado da utilização da ECMO como suporte no tratamento de pacientes com COVID-19?
Ainda não há evidências claras do benefício do uso da ECMO em pacientes com COVID-19. Evidências disponíveis sugerem que pacientes cuidadosamente selecionados com insuficiência respiratória grave que não se beneficiaram do tratamento convencional podem obter bons resultados com a ECMO.
Até o final de 12/07/2020, a ELSO já havia registrado 1889 casos de utilização da ECMO em pacientes suspeitos ou confirmados do COVID-19, sendo a maioria destes na América do Norte, com apenas 74 casos na América Latina e com uma sobrevida geral de 55%. Este parece um número baixo, contudo vale salientar que os pacientes em que a ECMO é indicada estão em um quadro de saúde já considerado muito grave, e esta técnica tem permitido a recuperação de pacientes que sem ela não teriam muitas opções.
Há registro da sua utilização no Brasil?
A ELSO não disponibiliza atualmente a especificação dos casos registrados na América Latina quanto a sua localização de ocorrência, mas já foram relatados alguns casos de ECMO em pacientes com COVID-19 entre o meio profissional.