Desde que a pandemia do novo coronavirus tomou conta do mundo, os profissionais da saúde estão em busca das melhores opções de tratamento contra a Covid-19. Pesquisas em diversos países têm estudado a eficiência da transfusão de plasma convalescente, tratamento que foi utilizado contra epidemias recentes como as do SARS, Ebola, Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) e, também, na pandemia do H1N1.
A expectativa é que os anticorpos presentes no plasma das pessoas que se recuperaram da Covid-19 possam auxiliar o sistema imunológico do paciente que sofre da mesma doença a reagir contra o vírus. “É uma forma de imunização, mas diferente das vacinas, pois os anticorpos já estão formados e são transferidos de forma passiva”, explica a biomédica Bruna Blos, que integra a equipe do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA) cuja pesquisa de transfusão de plasma convalescente iniciou em julho deste ano.
O estudo desenvolvido no HCPA prevê, neste primeira etapa, utilizar a técnica em 80 pacientes até poder analisar e divulgar os primeiros resultados. No entanto, outras pesquisas semelhantes realizadas ao redor do mundo, inclusive no Rio Grande do Sul, têm indicado que o plasma convalescente impede o agravamento da Covid-19 quando utilizado no início da doença.
Em conversa com o CRBM-5, Bruna compartilhou detalhes sobre a pesquisa e contou um pouco dos estudos em hemoterapia que realiza no HCPA.
– Quais são as etapas do tratamento por transfusão de plasma convalescente?
Tudo inicia com a divulgação e captação de doadores. Nesta parte é realizado o contato com os possíveis doadores e o que chamamos de qualificação destes, antes da sua doação efetiva. São realizados alguns questionamentos e os exames previstos em legislação para doação de sangue: tipagem ABO/RhD, pesquisa de anticorpos irregulares e sorologia para HIV, HBV, HCV, Doença de Chagas, VDRL e HTLV I/II, e testes moleculares (NAT) para HIV e hepatites B e C, assim como alguns requisitos específicos da pesquisa como quantificação de anticorpos para o coronavírus. Sabemos que alguns indivíduos não possuem estes anticorpos detectáveis no sangue periférico, e eles são imprescindíveis. Após isso, o doador qualificado realiza a coleta de acordo com os procedimentos de rotina do serviço, através de equipamentos de aférese, na qual é coletada apenas a parte de interesse do sangue, neste caso o plasma.
Os pacientes são selecionados pela equipe médica do projeto e alocados nos grupos controle ou intervenção (grupo que receberá o plasma convalescente). Os plasmas são selecionados da mesma forma que o processo de transfusão de rotina do banco de sangue e infundidos em dois momentos: no dia da seleção e 48h depois.
– Há um momento ideal para que o paciente receba a transfusão?
Como o foco do estudo é a atuação dos anticorpos contra o vírus, é interessante que a sua infusão seja mais no início da infecção, quando a viremia é mais alta. Outros estudos já demonstram que a eficácia é maior nos primeiros dias de internação hospitalar, e estamos seguindo essa premissa.
– Qual é o seu papel na pesquisa?
O grupo da pesquisa é bem grande e estamos divididos em grupos menores. Eu faço parte do grupo que organiza, separa e tabula os exames dos doadores e dos pacientes nos dias pré-estabelecidos e faz o controle do que foi enviado para cada paciente. Também atuo na parte assistencial do projeto, que não é ligado diretamente à pesquisa, auxiliando na qualificação de doadores e fazendo os testes pré-transfusionais, preparo, registro e envio das transfusões.
– Além do tipo sanguíneo, é necessário algum outro tipo de compatibilidade entre o doador do plasma e o receptor?
Para os testes de compatibilidade no receptor, são realizadas tipagem sanguínea ABO/RhD e pesquisa de anticorpos irregulares. Mas para a transfusão do plasma convalescente é levada em conta apenas a compatibilidade ABO entre doador e receptor, assim como fazemos nas demais transfusões de componentes plasmáticos.
– É possível adiantar algum resultado que esteja sendo observado durante a pesquisa?
O estudo teve início em julho e, desde então, foram transfundidos mais de 20 pacientes e realizadas cerca de 40 coletas. A proposta é promissora e parece haver uma boa resposta, mas os resultados ainda não foram analisados. Por ora não podemos afirmar nada.
– Você já havia participado de alguma pesquisa semelhante antes?
Eu trabalho na Unidade de Terapia Transfusional do Serviço de Hemoterapia e neste serviço são desenvolvidas pesquisas nas áreas de refratariedade plaquetária, aloimunizacao eritrocitaria, reações transfusionais e outras. Minha participação nestas pesquisas é indireta, mas diária, com validações de técnicas, protocolos e relatos de caso. No ano passado, terminei meu mestrado, em uma parceria com o Hospital Albert Einstein, para realizar genotipagem de grupos sanguíneos em pacientes com Síndrome Mielodisplásica (SMD), técnica que pretendemos implantar no hospital. Acredito que a pesquisa na área de hemoterapia está em expansão e fico feliz com isso, pois temos muito campo para explorar.