Já são nove meses de pandemia e milhares de pesquisas sendo realizadas pelo mundo para entender o novo coronavirus e a Covid-19. Mesmo assim, muitas questões ainda intrigam os cientistas e continuam à espera de elucidação. Uma delas é por que alguns pacientes apresentam quadros tão graves de infecção enquanto a maioria possui sintomas leves? É a resposta a esta pergunta que a pesquisa desenvolvida pela Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), em parceria com a prefeitura de Capão da Canoa (RS), pretende encontrar.
“Embora parte desta diversidade se deva à condição adjacente de saúde-doença do indivíduo, como a existência de comodidades e idade avançada, ela não consegue explicar toda a variação apresentada no quadro dos pacientes”, argumenta a biomédica Giulia Souza da Costa, responsável pelo recrutamento dos pacientes na Unidade de Isolamento Covid-19 do município do litoral norte gaúcho e mestranda de Biociência da UFCSPA.
O estudo, coordenado pela geneticista Julia Pasqualini Genro, começou no final de setembro e pretende acompanhar 500 pessoas com mais de 18 anos ao longo de oito meses para observar a resposta imunológica à contaminação do novo coronavirus. “Acreditamos que parte das explicações a esta situação [diversidade de respostas à doença] possa estar na genética dos indivíduos”, explica Giulia. No momento, estão sendo monitorados 250 pacientes.
O CRBM-5 conversou com Giulia para saber mais detalhes sobre a pesquisa e como os resultados podem auxiliar no combate ao novo coronavirus.
– Quais são as etapas do estudo?
O estudo é dividido em quatro momentos. O primeiro é o recrutamento dos participantes, com a realização de um teste sorológico rápido (dentro de 48 horas da coleta do material para diagnóstico assistencial através do teste de RT-PCR) e de coleta de sangue venoso para a extração de DNA. O segundo consiste na repetição do teste sorológico 15 dias após a coleta do material para o teste de RT-PCR. O terceiro acontece no retorno do paciente, dois meses após a coleta do material para o teste de RT-PCR para repetição do teste sorológico rápido. E, por fim, há o retorno do paciente, oito meses após a coleta do material para o RT-PCR, para repetição do teste sorológico rápido.
Todas as etapas envolvem reavaliação de sintomas e da rotina de distanciamento social dos pacientes.
– Qual o seu papel na pesquisa?
Coordeno e executo as etapas de recrutamento e retorno dos pacientes nos diferentes momentos do estudo, realizo etapas laboratoriais na UFCSPA e sou responsável pela organização da genotipagem e análise de dados.
– Além de entender as diversas respostas à infecção do novo coronavirus, há algum outro objetivo da pesquisa?
Acreditamos que precisamos entender melhor o papel dos testes rápidos no diagnóstico. Embora o teste molecular de RT-PCR seja o padrão ouro para o diagnóstico, vemos os testes rápidos sendo usados amplamente fora da assistência, por serem mais práticos e mais baratos. Mas não temos respaldo científico para sua aplicação no diagnóstico, principalmente no sentido de conter a propagação do vírus, já que ele detecta estágios mais tardios da contaminação. Quando um indivíduo testa positivo, ele já pode ter contaminado muita gente. Então, também queremos ver a relação destes testes com os resultados da PCR. Esperamos que o estudo possa nos trazer respostas importantes em relação a essas questões. Como ele é realizado junto à assistência, também tem potencial de proporcionar um acompanhamento maior dos pacientes atendidos no serviço de saúde.
Em resumo, iremos comparar os resultados do teste molecular de RT-PCR com os resultados do teste sorológico rápido, avaliar a evolução da resposta sorológica ao longo do tempo e investigar se a variabilidade genética dos pacientes influencia na resposta desses testes e nos desfechos clínicos.
– Como os resultados podem auxiliar no combate ao novo coronavírus?
Os resultados do estudo poderão contribuir para a otimização e melhor delineamento dos testes como ferramenta diagnóstica e para o entendimento dos mecanismos biológicos da infecção por SARS-CoV-2. A comparação dos diferentes testes auxilia fornecendo informações sobre o momento mais oportuno de aplicação dos testes na população e, caso seja detectada associação entre os resultados dos testes e os desfechos clínicos, esta informação poderá auxiliar futuramente no diagnóstico e prognóstico dos pacientes.
Esta comparação também tem contribuído para a vigilância em saúde, uma vez que a detecção mais precisa e precoce dos infectados auxilia no isolamento dos casos e redução do contágio. As análises de associação das variantes genéticas com a resposta dos testes e os desfechos clínicos podem contribuir para a detecção de marcadores que facilitem o diagnóstico e o manejo dos pacientes e para a identificação de fatores específicos da população brasileira em relação à infecção, aos resultados dos testes e às manifestações clínicas, podendo trazer evidências para novas estratégias diagnósticas e terapêuticas.