Neste sábado (19), acontece o “Dia D” da campanha de vacinação contra sarampo. A doença reapareceu no Brasil em 2018 e, desde então, registra mais de 14 mil ocorrências em 16 estados, inclusive Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Pelos surtos apresentados desde o ano passado, o Brasil perdeu a certificação de país livre da doença, conferido pela Organização Panamericana de Saúde (OPAS).
Apesar de fatores externos terem colaborado para reintroduzi-lo no Brasil (como o movimento migratório de venezuelanos no Norte e do contato de brasileiros com o vírus na Europa e nos Estados Unidos – locais que também tiveram aumento de ocorrências da doença), o sarampo espalhou-se rapidamente pelo território brasileiro devida à baixa cobertura vacinal da doença no país.
E este não é um caso isolado. Nos últimos anos, o Brasil tem registrado queda nas coberturas das principais vacinas do Calendário Nacional de Vacinação, caso das que previnem contra a poliomielite (paralisia infantil), a difteria, o tétano, a coqueluche e a hepatite B.
Uma das razões para a não-vacinação está no desconhecimento da gravidade destas doenças (muitas extintas no Brasil justamente graças ao trabalho de imunização realizado ao longo das últimas décadas) e a propagação de falsas informações sobre as vacinas.
Para explicar por que as vacinas são consideradas o meio mais eficaz para evitar doenças infecciosas, o CRBM-5 convidou Maurício Bassuíno, doutor em gerontologia biomédica e delegado da Comarca de Caxias (RS). Ele revela ainda como os biomédicos podem contribuir com desenvolvimento dos programas de imunização do país.
– Como é produzida a vacina e que função ela exerce no organismo?
A vacina, independentemente do processo de fabricação, tem por função estimular as defesas do corpo contra os microrganismos, por meio da produção de anticorpos. Esse processo faz com que seja criado uma espécie de memória e, caso ocorra contato com esse mesmo agente no futuro, o organismo apresenta defesas específicas. Os procedimentos para desenvolvimento das vacinas atingiram seu ápice no período pós Segunda Guerra Mundial, quando foi introduzida a técnica de cultura celular in vitro, neste caso com o agente inativado da poliomielite.
A história da vacinação remete a meados dos anos 1800 quando um inglês chamado Edward Jenner, mais precisamente no ano de 1796, percebe que mulheres que trabalhavam na ordenha de vacas, quando expostas à varíola das vacas, não desenvolviam a forma mais grave. Esse processo foi constituído por inoculação das feridas das vacas nos indivíduos e, dessa forma, iniciava um processo de reconhecimento do agente etiológico pelo organismo, possibilitando a formação de defesas específicas. Decorrente desse processo, em 1980 a Organização Mundial da Saúde (OMS), anuncia a erradicação global da varíola.
No Brasil, a história da vacinação passa pelo epidemiologista Oswaldo Cruz, idealizador da primeira campanha de vacinação que tinha como principal objetivo, controlar as graves epidemias de varíola. Com o passar dos anos os procedimentos foram evoluindo e aqueles primeiros processos de exposição direta aos agentes causadores foram dando lugar as substâncias desenvolvidas por laboratórios. A evolução desse processo foi tão intensa que mais de 70% dos imunobiológicos utilizados em campanhas de vacinação são produzidos em território nacional.
– Quais os benefícios das vacinas?
Sem dúvida alguma podemos colocar o processo de vacinação como um dos fatores mais importantes e impactantes em termos de saúde pública. Esse é o método mais seguro e eficaz para prevenção de doenças infectocontagiosas e, por esse motivo, podemos considerar como uma das mais importantes conquistas da humanidade. O sucesso da vacina é centenário. Juntamente com outras abordagens de saúde, a vacinação vem auxiliando na redução nas principais causas de óbitos, as doenças infecciosas.
Com o processo de vacinação existe uma abordagem preventiva, evitando que vírus e bactérias consigam se desenvolver e causar alguma enfermidade. Pensando em termos de ação, podemos dizer que a vacinação atua em benefício tanto do indivíduo que recebeu a vacina quanto em benefício social. Isto se deve ao fato de que, em consequência dos que receberam a vacina, diminui de forma efetiva a transmissão do agente causador da doença, mesmo naqueles que não foram vacinados. Logo, quanto mais indivíduos estiverem vacinados e imunizados, maior o benefício social, uma vez que ocorre um efeito de bloqueio da disseminação.
– Que tipos de doenças podem ser evitadas com vacina?
Graças às vacinas, diversas doenças que eram responsáveis por elevada mortalidade diminuíram ou foram erradicadas. Dentre as doenças que podem ser evitadas pelo processo de vacinação temos: catapora, coqueluche, caxumba, diarreias por rotavírus, febre amarela, hepatites A e B, gripes, meningites, rubéola, poliomielite, HPV, diferentes doenças causadas por agentes bacterianos como o Haemophilus influenzae, entre outras.
– Há diferença entre vacinas em gotas ou injetáveis?
Embora o desfecho final seja o desenvolvimento de uma resposta adaptativa especializada, o método de aplicação da vacina pode variar dependendo do agente empregado. As vacinas administradas por via oral são chamadas de atenuadas, pois possuem uma forma de baixa virulência do agente etiológico. Por outro lado, as vacinas administradas pelo método intramuscular podem apresentar diferenças quanto ao agente utilizado, podendo ser a forma inativada (agente morto), combinada (diferentes agentes etiológicos) ou conjugada (forma imunogênica).
– Existe o risco de uma vacina causar alguma doença ou reação grave a ela?
Importante ressaltar que todas as vacinas utilizadas passaram por testes que certificaram tanto sua eficiência quanto sua segurança. Decorrente do processo de vacinação, seja ele por via oral ou injetável, o indivíduo pode desenvolver sinais e sintomas atenuados, como febre e desconforto. De modo mais específico, algumas vacinas injetáveis são mais propensas ao desenvolvimento de dor local na região em que houve a aplicação. Cabe ressaltar que sempre existe o acompanhamento dos eventos adversos por agências especializadas, como a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
– Como você avalia as ações do Brasil nesta área de imunização?
O Brasil apresenta uma estratégia de vacinação bastante solidificada. Segundo informações do site do Ministério da Saúde, o país disponibiliza mais de 300 milhões de doses de vacinas em Unidades Básicas de Saúde (UBS), todas respeitando um cronograma bem definido e regrado, o Calendário Nacional de Vacinação. Esse programa de vacinação busca atender todas as faixas etárias, iniciando em recém-nascidos, passando por adolescentes, adultos e idosos, dando especial atenção a grupos seletos como gestantes e indígenas. Este programa de vacinação inclui 19 vacinas para mais de 20 doenças.
Nesse sentido, com relação às ações de imunização, o Brasil pode tranquilamente ser equiparado aos países desenvolvidos, uma vez que essas estratégias se mostram extremamente eficazes em termos de saúde pública.
– Como os biomédicos podem contribuir no desenvolvimento desta área?
Sempre quando penso na atuação do Biomédico e sua relação com a saúde, penso em como explicar de maneira simples e direta. A ampla formação do Biomédico e as diversas áreas de atuação, permitem que esse profissional seja uma espécie de coringa no planejamento em saúde. Ao meu ver, temos a competência para trabalhar desde o desenvolvimento e validação de novas vacinas até o ponto final, que é a ação da vigilância sanitária ou como agentes de saúde. Sem dúvida alguma, decorrente inclusive, das ondas de fakenews e grupos anti-vacinais, o biomédico pode atuar no esclarecimento dessas questões e auxiliar na promoção à saúde. Ainda, devido à alta demanda de estudos para entendimento de novas doenças infecciosas e, pela necessidade de desenvolvimento de novas vacinas, o profissional biomédico pode ser uma ferramenta poderosa nesse processo.