Segunda a sexta das 08h00 às 12h00 e das 13h00 às 17h00

Destaque

Biomédica gaúcha é reconhecida internacionalmente por pesquisa na área de Alzheimer

30-06-25 | Destaque, Notícias

Doutoranda pela UFRGS, Giovanna Carello Collar recebeu o prêmio One To Watch da Alzheimer’s Association (EUA) e falou ao CRBM-5 sobre sua trajetória, pesquisa e desafios na carreira científica.

A biomédica Giovanna Carello Collar, doutoranda em Bioquímica pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), foi uma das vencedoras do prêmio One To Watch, concedido anualmente pela Alzheimer’s Association (EUA). O reconhecimento destaca jovens pesquisadores que atuam com excelência na área de neurociência, com foco em Alzheimer e outras demências.

Em entrevista ao CRBM-5, Giovanna compartilhou os critérios de avaliação do prêmio, detalhou sua linha de pesquisa e refletiu sobre os desafios enfrentados por jovens cientistas no Brasil. Confira a seguir a entrevista na íntegra.

Entrevista completa com Giovanna Carello Collar

Quais foram os critérios utilizados pela Alzheimer’s Association para conceder o prêmio One To Watch?

O prêmio “One to Watch” reconhece a próxima geração de líderes em neurociência, com foco na doença de Alzheimer e outras demências.  

Primeiramente, o candidato precisa ser nomeado para concorrer ao prêmio, de acordo com os seguintes critérios:  

  1. Ser estudante de pós-graduação (mestrado ou doutorado), pesquisador de pós-doutorado ou professor em início de carreira; 
  1. Pesquisar temas relacionados à neurociência, principalmente doença de Alzheimer e outras demências. 

Então, os candidatos nomeados são avaliados por uma comissão composta por cientistas de diversas regiões do mundo, escolhidos por membros da Alzheimer’s Association a cada ano. Em 2025, a comissão científica foi composta por 24 avaliadores de 12 cidades globalmente [Barcelona (Espanha), Belgrado (Sérvia), Buenos Aires (Argentina), Ibadan (Nigéria), Indianápolis (Estados Unidos), Nairóbi (Quênia), Nova Déli, (Índia), Pitsburgo (Estados Unidos), Porto Alegre (Brasil), Santiago (Chile), Tessalônica (Grécia) e Iaundé (Camarões).  

Nesta etapa, os critérios utilizados são os seguintes:  

  1. Conteúdo da carta de nomeação; 
  1. Pioneirismo e excelência no pensamento científico, colaboração, comunicação e/ou divulgação científica; 

Os quatro candidatos nomeados mais votados pela comissão científica são agraciados com o prêmio.  

A cada ano, o prêmio se torna mais competitivo. Em 2025, foram mais de 300 nomeações entre mais de 50 candidatos (pois os candidatos podem ser nomeados mais de uma vez por pesquisadores diferentes). Eu fui nomeada pelo professor Dr. Pedro Rosa-Neto, renomado pesquisador na área da doença de Alzheimer e professor nos Departamentos de Neurologia, Neurocirurgia e Psiquiatria da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, afiliado ao Douglas Research Centre. Os candidatos vencedores foram: Giovanna Carello Collar (Brasil), Andréa Lessa Benedet (Suécia), Joseph Therriault (Canadá) e Agnès Pérez Millan (Espanha).  

Acredito que minha combinação de contribuições em pesquisa, co-orientação, extensão e conquistas acadêmicas recentes foi essencial para esse reconhecimento: 

Eu sou bacharela em Biomedicina pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) – Porto Alegre, Brasil (2015-2019). Durante a graduação, fui bolsista de iniciação científica em um laboratório dedicado ao estudo do transtorno do espectro autista (2016-2019) e realizei um intercâmbio acadêmico na Universidade de Coimbra, Portugal (2017-2018).  

Tenho mestrado em Bioquímica pela UFRGS (2020-2022), com foco na doença de Alzheimer, sob supervisão do Dr. Eduardo Zimmer. Atualmente, estou iniciando o quarto ano do meu doutorado em Bioquímica também sob a supervisão do Dr. Zimmer, onde investigo fatores protetores e de resiliência na doença de Alzheimer, com foco em sua potencial origem precoce durante o neurodesenvolvimento.  

Desde 2020, fui premiada com mais de 15 Bolsas de Viagem de diversas instituições nacionais e internacionais (FENS, ISN, Alzheimer’s Association, Karolinska Institutet, University College London, ALBA-IBRO, CAPES e CNPq) para participar de conferências e cursos relacionados à doença de Alzheimer e neurodegeneração. Fui embaixadora da ISTAART (2023-2024) e atualmente ocupo uma posição de liderança como membro do Comitê Executivo do AWARE PIA (2024-2026), ambos programas da Alzheimer’s Association.  

Fui a líder-jovem da organização do evento AAIC Neuroscience Next 2024 – Hub Porto Alegre, onde idealizei o Prêmio Diversidade em Neurociência. Ganhei o Concurso de Pôsteres de Estudantes na Conferência Internacional da Alzheimer’s Association em 2024 e o Prêmio de Jovem Pesquisadora do Congresso Mundial de Cérebro, Comportamento e Emoções (World Congress on Brain, Behavior, and Emotions) – que reconhece cientistas promissores da neurociência na América Latina.  

Publiquei meu primeiro artigo como primeira autora do doutorado em 2023, na revista científica Molecular Psychiatry. Sou co-autora de sete artigos científicos, publicados na Nature Neuroscience, iScience e Neuropharmacology, dentre outros. Também supervisiono cinco alunos de graduação em seus trabalhos de conclusão de curso, investindo tempo e esforço significativos em guiar esses estudantes. Em 2025, fui premiada com a Bolsa de Doutorado Fulbright para realizar parte da minha pesquisa de doutorado na Harvard Medical School em 2025-2026 sob a orientação da Dra. Sudeshna Das e do Dr. Alberto Serrano-Pozo.  

Link do currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/9410305948109799  

De que forma sua pesquisa pode contribuir para avanços no diagnóstico e tratamento do Alzheimer?
A nossa pesquisa contribui para um entendimento da resiliência contra a doença de Alzheimer, especialmente em sua forma esporádica de início tardio, que é a forma mais comum da doença. Ao identificar que a variante RELN rs802787 confere proteção contra a progressão da patologia tau – mesmo em cérebros com alta carga amiloide –, abrimos novas possibilidades para o desenvolvimento de estratégias diagnósticas e terapêuticas, como biomarcadores de resiliência ou alvos farmacológicos baseados na via da RELN

Entretanto, é importante ressaltar que este estudo é um passo inicial. Apesar dos resultados promissores, mais pesquisas são necessárias para validar esses achados em diferentes populações, compreender os mecanismos moleculares envolvidos e explorar formas seguras e eficazes de modular essa via biologicamente.  

Nossa pesquisa reforça a ideia de que entender fatores de resiliência é tão importante quanto estudar fatores de risco, e aponta para novos caminhos que poderão transformar a maneira como diagnosticamos, tratamos e prevenimos essa doença tão devastadora. 

Como sua experiência em participação de conferências internacionais impactaram sua trajetória acadêmica e científica?
Participar de conferências internacionais mudou profundamente a forma como eu enxergo a ciência – e também a mim mesma como pesquisadora. Na prática, vi que a ciência é feita de perguntas ousadas, de colaboração genuína e de muita coragem para enfrentar desafios. Estar em contato direto com pesquisadores que eu admirava nos artigos, poder apresentar minhas ideias e receber dicas construtivas de cientistas do mundo todo, foi importante para que eu tivesse pertencimento.  

Foi nesses espaços que fortaleci não apenas minha rede de colaborações, mas também minha paixão pela pesquisa e meu compromisso com a ciência como ferramenta de transformação. Essas vivências me ajudaram a construir mais confiança no meu potencial, a sonhar mais alto e, principalmente, a entender que fazer ciência é também um ato de resistência, inspiração e esperança. 

Quais são os principais desafios enfrentados por jovens pesquisadores na área de neurociência?
Os desafios enfrentados por nós jovens pesquisadores são muitos. Vou comentar sobre alguns dos mais impactantes e frequentes, que eu mesmo já vivi ou presenciei em colegas. 

O primeiro e, sem dúvida, mais importante é a saúde mental. Precisamos falar mais sobre o impacto da vida acadêmica no nosso bem-estar emocional. A pós-graduação pode ser um ambiente extremamente competitivo, especialmente se não estivermos inseridos em um espaço acolhedor e saudável. A pressão por produtividade é constante: há uma cobrança interna intensa para publicar em revistas de alto impacto, o que gera ansiedade, estresse e, muitas vezes, esgota nossa motivação. 

Outro desafio recorrente é a insegurança financeira. Lidamos diariamente com a limitação de bolsas e recursos, além da instabilidade provocada por contextos de desvalorização e negação da ciência. Essas incertezas tornam o planejamento de médio e longo prazo quase impossível. 

A preocupação com o futuro profissional também é uma constante. Não há garantias de estabilidade até alcançarmos uma posição de professor ou pesquisador permanente. Muitos passam anos em posições temporárias, como o pós-doutorado, enfrentando sucessivos contratos de curto prazo, sem a segurança de uma vaga estável e duradoura. 

Temos dificuldade em equilibrar vida pessoal e profissional. A pressão por resultados e a carga de trabalho elevada tornam difícil descansar sem culpa – como se cada pausa fosse uma perda de produtividade. O trabalho nunca acaba, pois sempre há um artigo para escrever, um prazo a cumprir, um novo experimento para iniciar.  

A vida acadêmica também é marcada por longos períodos de espera: esperar resposta de agências de fomento, revisões de artigos, contratações, resultados de experimentos, o que pode levar meses ou anos. Essa dinâmica lenta e imprevisível alimenta a ansiedade e a sensação de estagnação. 

A síndrome do impostor é outro ponto importante que gostaria de destacar, especialmente em áreas complexas como a neurociência. Mesmo diante de conquistas concretas, como publicações, prêmios, convites para palestras, muitas vezes sentimos que “não somos bons o suficiente” ou que “não merecemos estar onde estamos”. Esse sentimento corrói a autoconfiança e dificulta o avanço na carreira. 

Por fim, é impossível não falar sobre as desigualdades de gênero que ainda persistem. Apesar dos avanços, mulheres enfrentam barreiras específicas na neurociência. Por exemplo, a maternidade impacta desproporcionalmente a carreira acadêmica, não apenas pela pausa na produtividade, mas também pelo preconceito estrutural. 

Compartilhe nas Redes

Ir para o conteúdo