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Imunologia e a Covid-19

26-05-20 | Destaque, Notícias

 

Desde os primeiros registros da presença do SARS, pesquisadores e cientistas têm corrido atrás do tempo para desvendar os efeitos do novo coronavirus e descobrir as melhores maneiras de combatê-lo.

Centenas de estudos estão sendo desenvolvidos para entender, por exemplo, a reação do nosso sistema imunológico a este inimigo até então desconhecido pelo nosso organismo. Por que a maioria dos infectados é assintomática ou apresenta sintomas leves? Por outra parte, por que algumas pessoas, sem comorbidades, têm reações tão severas quando contaminadas? Qual é o melhor tratamento para a Covid-19?

As respostas, aos poucos, vão surgindo, mas ainda não são definitivas. A biomédica Fernanda Cordova, pós graduanda em hematologia clínica e hemoterapia na Católica de Santa Catarina, explica o que tem sido observado nestes últimos meses em relação ao sistema imunológico e ao novo coronavirus e como o conhecimento em imunologia pode ajudar no tratamento da Covid-19 e de novas doenças.

 

“Muitos estudos tratam a Covid-19 não mais como uma doença pulmonar, mas sim como uma doença sistêmica”, diz a biomédica Fernanda Cordova.

1- Resumidamente, como responde o sistema imunológico quando se depara com um “invasor”, como um vírus?

Fernanda Cordova – Frente a uma infecção, o sistema imunológico monta linhas de defesa baseadas em mecanismos químicos e no recrutamento celular.

Os leucócitos, células efetoras do sistema imune, reconhecem microrganismos através de receptores inespecíficos, no caso da imunidade inata, e específicos, no caso da imunidade adaptativa. A ligação receptor-antígeno gera uma cascata de sinalização intracelular, que tem como consequência a síntese de cito e quimiocinas sinalizadoras e pró-inflamatórias, estabelecendo o estímulo químico de defesa.

O recrutamento de leucócitos para o sítio infeccioso é o principal estímulo gerado pela ação das moléculas pró-inflamatórias. Algumas das proteínas produzidas podem estimular a febre e o aumento da permeabilidade vascular, sinais clássicos de processos inflamatórios.

A defesa celular é responsável pelo combate direto ao invasor. Os leucócitos, estimulados pelas proteínas pró-inflamatórias, migram ao sítio e ligam-se aos microrganismos a fim de eliminá-los, através de proteínas tóxicas e pelo processo de englobamento desses invasores, a fagocitose.

2- Como se pode explicar que a maioria das pessoas infectadas pelo novo coronavírus são assintomáticas ou apresentam sintomas leves e em outras as consequências são tão severas?

Fernanda Cordova – Sob um olhar geral, o sistema imunológico de indivíduos imunocompetentes, ou seja, indivíduos sem condições primárias que comprometam o sistema imunológico, consegue controlar a infecção e suas possíveis complicações, o que pode justificar sintomas leves ou nulos na maioria da população. Por outro lado, pessoas com problemas primários ou imunossuprimidos (idosos, doentes crônicos, pacientes oncológicos, etc) têm maior dificuldade no controle viral, pelo comprometimento do organismo como um todo, incluindo o déficit imune.

Tem-se observado pessoas não pertencentes ao grupo de risco com sintomas graves, com comprometimento do estado geral de saúde e até mesmo, um número considerável de mortos.

Muitos estudos tratam a Covid-19 não mais como uma doença pulmonar, mas sim como uma doença sistêmica. O Sars-CoV-2, assim como o Sars-CoV, pode ter outros focos de replicação além do pulmão, como os rins e o coração, consequentemente gerando inflamação e lesão desses tecidos. Além disso, a dificuldade respiratória, causada pelo comprometimento pulmonar, pode levar à hipóxia e necrose tecidual sistêmica, e consequentemente, à falência de órgãos vitais, mesmo em pessoas saudáveis.

3- No caso da Covid-19, há relatos de que os danos nos pulmões seriam causados não pelo vírus, mas por uma reação exagerada do sistema imunológico. Como se explica isso?

Fernanda Cordova – A regulação do sistema imunológico acontece através da síntese de proteínas anti-inflamatórias e pela mediação de células reguladoras. Entretanto, a regulação e contração do sistema imune dependem de uma resposta efetora equilibrada e balanceada.

Estudos revelaram que pacientes com doença severa causada pelo novo coronavirus apresentam um “desbalanço” entre os estímulos gerados pelo sistema imunológico. Ou seja, não há consonância entre a ação celular e a mediação química. A maioria dos pacientes graves apresentam “cytokine storm” (tempestade de citocina, em inglês), uma quantidade elevada de citocinas pró-inflamatórias que, mesmo com a carga viral controlada, continuam estimulando a ação imune celular, gerando uma resposta inflamatória exacerbada contra o próprio tecido hospedeiro, que acaba sendo lesado gravemente pela ação leucocitária descontrolada.

4- Por que é tão difícil encontrar um tratamento para as doenças causadas por vírus, em geral, e especialmente para a Covid-19?

Fernanda Cordova – Os antivirais são os medicamentos utilizados para inibir a síntese proteica e eventos-chave da replicação do genoma viral, a fim de controlar a carga e impedir a síntese de novas partículas virais.

Vírus são partículas subcelulares capazes de sofrer mutações e que dispõem de mecanismos de evasão a tratamentos medicamentosos. Visto isso, o desenvolvimento e a administração de antivirais dependem do conhecimento profundo do causador da infecção, sua estratégia de replicação, o tropismo viral, e outras características que podem afetar a eficácia dos fármacos, assim, dificultando a produção de medicamentos.

Num geral, viroses respiratórias são infecções autolimitadas e devido a essa característica, tratamentos são feitos a partir da sintomatologia apresentada, controlando sintomas mais graves que possam afetar a qualidade de vida do paciente, como a obstrução nasal e a insuficiência respiratória.

5- Como um maior conhecimento sobre o sistema imunológico pode contribuir para o controle e o tratamento de novas doenças?

Fernanda Cordova – O conhecimento do sistema imune e seus mecanismos permite investigar tratamentos e métodos diagnósticos sob uma nova perspectiva.

Um estudo mostrou a eficiência terapêutica do bloqueio do receptor de IL-6, uma proteína pró-inflamatória, em pacientes infectados com o Sars-CoV-2. Um anticorpo monoclonal marcado foi utilizado para bloquear o receptor da citocina em leucócitos, impedindo, assim, a ligação da proteína e sua consequente ação inflamatória, reduzindo o dano tecidual e a inflamação local do paciente.

Outra metodologia em desenvolvimento, é a detecção de RNA viral em amostras de saliva. Uma placa multi compartimentada e com micro sensores (chips) foi desenvolvida para a captação de RNA do novo coronavírus; a ligação eletroquímica entre o genoma viral e o microsensor, gera uma emissão de luz, portanto, usando a eletroquimioluminescência como método qualitativo de diagnóstico. O aprimoramento da técnica pode levar a metodologias quantitativas para determinação de títulos de anticorpos ou da carga viral na amostra.

Portanto, estudos que se favoreçam de métodos imunológicos para novas terapias e diagnósticos devem ser mais aprofundados e incentivados, dada a relevância no meio científico.

6- É possível dizer que a tendência é que haja cada vez mais tratamentos personalizados, diferenciados por pessoas, para uma mesma doença?  

Fernanda Cordova – Sem dúvidas. A procura pela medicina personalizada é cada vez maior. Uma vez que a avaliação de características individuais e predisposições são avaliadas, e levadas em consideração, para a escolha e formulação de protocolos terapêuticos, tratamentos se tornam muito mais eficazes e com menos efeitos adversos.

Imprensa CRBM-5

 

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